Revista Hellinger Sciencia, setembro 2007.
Para muitos casais e muitas famílias, os filhos abortados trazem um destino particular. Se conseguirmos coincidir com sua vibração, e eles com a nossa, serão acolhidos e recebidos na família. Então, em vez de originar um destino difícil, o que ás vezes acontece, eles nos oferecerão um destino bom.
Relacionado com isto, devemos reflexionar sobre algo importante. O pior não é o aborto em si. O pior para a criança não é o aborto. O pior é que foi objeto de rejeição.
Se pararmos para olhar o curso da vida, não somente a nossa senão a vida como uma totalidade, nós veremos o que vem a seguir: a vida continua porque outros morrem. Aqueles que morrem se entregam a serviço da vida. Também uma criança abortada oferece-se para servir a vida desde sua alma porque, evidentemente, tem uma alma.
Rilke escreveu um lindo soneto, o segundo soneto a Orfeu. Estes sonetos estão dedicados a uma jovem bailarina, precocemente falecida. Assim é o poema:
Já partida daqui sendo ainda menina,
Longe desta sorte de canto e lira,
Resplandecendo após seu voo de primavera,
Seu leito fez-se em minha orelha.
Orfeu canta, e esta morta vibra no ouvido de Rilke. Ela ouve graças a ele e dorme ausente do mundo. Rilke fala de si mesmo neste soneto: tudo o que me acontece, tudo o que sinto e percebo, ela percebe através de mim. Posteriormente questiona: onde está sua morte? Olhem. Ela ressuscitou e dormiu. Dormindo, vive o mundo.
Ela vibra ao uníssono, vibra com tudo o que acontece. Por acaso lhe falta algo? Por acaso pode lhe faltar algo?
Se nós, por nossa vez, pudéssemos deixar repousar em nossa orelha as crianças abortadas ou abandonadas e se escutássemos o canto de Orfeu, nos uniríamos a elas e elas não perderiam nada.
Aqui, não somente olho para o pai e a mãe de uma criança abortada. Olho para muito mais e vibro com muito mais. Disto surge uma felicidade diferente, uma felicidade plena na qual os vivos e os mortos vibram juntos na vida em sua totalidade.