Revista Hellinger, Dezembro 2005.
O casal: crescer graças ao contato com o outro
De que maneira pode evoluir um casal, um através do outro?
Talvez alguns pensem que, uma vez estabelecida à relação de casal, os componentes desta possam acomodar-se tranquilamente e descansar. Porém, a relação de casal faz parte da realização da vida, sendo inclusive uma parte essencial porque a autêntica vida começa com a relação de casal. Representa um ponto culminante. Depois, tudo será diferente: maior, mais rico, mais completo.
A infância vem antes que a relação de casal. A relação de casal é ensinada com idade muito prematura. Quando somos filhos, já começamos a perceber qual é o amor que necessitamos para a relação de casal. Aprendemo-lo, sobretudo, com nossa mãe. Somente se a relação com a mãe for completa, isto é, somente se tomarmos de todo coração aquilo que vem da nossa mãe, estaremos preparados para a relação de casal. Referente ao nosso pai é comparável. Aquelas pessoas que não tomaram seus pais não são realmente capazes de acolher seu cônjuge. A maioria dos problemas que acontecem no casal origina-se do fato de que algum dos dois cônjuges não está em paz com seus pais e não assume essa atitude profunda que consiste em respeitar e tomar com gratidão o aquilo vem deles...
No fundo, toda nossa juventude baseia-se em acolher, em tomar com amor: tomar e tomar e tomar e tomar... Algumas pessoas não querem tomar por diversos motivos: pensam, por exemplo, que o que os pais nos dão é tão grande, tão rico, que nunca chegaríamos a equilibrá-lo, que nunca poderíamos agradecê-lo o suficiente para igualar tudo os que nos foi dado.
A necessidade de um equilíbrio entre dar e tomar está ancorada no mais profundo do nosso ser. Por isso alguns filhos se negam a tomar, por medo a ser incapazes de dar em igual medida; preferem não tomar nada e justificam esta rejeição com julgamentos e acusações contra seus pais. Tomam muito pouco e como tomam muito pouco, possuem pouco também e, geralmente, isto não é suficiente para estabelecer uma relação de casal. A relação de casal começa por acolher aqueles que vêm dos nossos pais.
Existe um frequente mal-entendido referente ao equilíbrio entre dar e tomar. Diante dos nossos pais, nunca poderemos equilibrar, porém existe outra maneira de fazê-lo: transmitindo o que recebemos a um cônjuge, por exemplo, e, sobretudo, aos nossos próprios filhos. Conhecendo isto, não precisamos nos preocupar pelo equilíbrio entre tomar e dar. Portanto, tomamos cada vez mais sabendo que, algum dia, teremos de sobra e que nosso cônjuge e nossos filhos se enriquecerão com isso.
Esta é a condição requerida para desfrutar de uma boa relação de casal e, este amor que fará que cada um dos componentes de um casal evolua em contato com o outro, começa já em nossa infância.
Existe mais um obstáculo quando se trata de tomar (dos pais) para preparar a relação de casal: a distinção entre o bem e o mal ou a distinção entre o que é bom e o que é toxico. Muitas vezes, pensamos que os problemas que temos proveem dos nossos pais, ideia compartilhada e fomentada por algumas correntes da opinião pública e por certas escolas psicoterapêuticas: se nossos pais tivessem sido melhores, tudo estaria melhor. Isto é algo absurdo porque sabemos que o ser humano precisa superar obstáculos para evoluir.
Outra ideia muito estendida segundo alguns, é que para poder evoluir temos que receber e receber mais, sem que estejamos obrigados a fazer nada por nós mesmos. No entanto, a realidade é que crescemos quando enfrentamos as resistências e são os erros, as falhas de nossos pais e/ou o peso que talvez tivessem que levar durante nossa infância, o que nos ajudam a evoluir. O que sofremos não nos prejudica, muito pelo contrário, representa uma oportunidade de avançar e desenvolver nossa força para poder viver nossa vida.
Às vezes, tento imaginar como seria uma criança que tivesse tido pais perfeitos, se é que isso seria possível. Saberia viver? Conheceria algo da verdadeira vida? Teria a maturidade suficiente para ter uma vida de casal?
Fechem os olhos. Agora iremos visualizar nossos pais, a nossa mãe e nosso pai, tal como são. Detrás deles, seus pais, porque nossos pais também foram filhos um dia. Detrás dos pais destes últimos, mais pais, e os pais desses pais: um sem-fim de gerações. A vida que flui através de todas essas gerações provem de uma Fonte (de uma Origem) que não conhecemos. A vida é o mais poderoso, o maior, o mais espiritual, o mais divino que existe. A experiência de Deus não pode ser senão a experiência da vida. E toda experiência de vida, no fim das contas, é experiência de Deus.
Esta vida flui através de todas essas gerações, divina e pura. Ninguém conseguiu acrescentar nada, ninguém conseguiu tirar nada. Acolhendo-a, tomando esta vida e transmitindo-a, todas essas pessoas foram perfeitas. Estiveram em perfeita harmonia com um movimento divino. Assim, a vida passou através de todas essas gerações, até nossos pais. Estes se amaram como é feito por um homem e uma mulher. E nós nascemos do seu amor de homem e mulher. Nossa vida é o fruto do seu amor.
Agora olhemos para eles, abramos nosso coração e tomemos deles – tal como são – nossa vida. Tomemo-la como o maior que existe, como algo sagrado, divino. Olhemos para eles e, tomando nossa vida deles, dizemos-lhes "obrigado". Entretanto, não somente lhes agradecemos, nossa gratidão vai também para todas essas gerações anteriores e para a Origem da vida. Nesse momento seguramos realmente nossa vida.
Durante muitos anos, precisamos que nossos pais nos cuidem e nos mantenham e eles nos ofereceram o presente de cuidar-nos, manter-nos e apoiar-nos. Alimentaram-nos, protegeram-nos e educaram-nos; pensaram continuamente em nós e perguntaram-se: "Que necessita nosso filho?" E assim crescemos, graças ao seu amor e aos seus cuidados.
"Porém nossos pais somente são seres humanos como nós, com suas próprias falhas. Digo "suas falhas" porque tudo o que evolui é feito não somente com cuidados, senão através de falhas e obstáculos. Porque o Divino que atua na vida, é falível nesse sentido. O conceito que o Divino é perfeito é insostenível porque toda força criadora somente é porque algo foi antes imperfeito. A criação não é possível a não ser quando as coisas são imperfeitas, quando estão incompletas, quando têm falhas e erros. De igual modo, a força criadora que nos chega através dos nossos pais se faz possível através de falhas e dificuldades, através da imperfeição e da culpabilidade. E assim, olhamos para tudo isso como necessário para nossa vida e nossa evolução e tomamos tudo em nós assentindo a isso: “Sim, isso faz parte de mim e me faz crescer”. É uma parte de mim e pode continuar sendo".
Então, sentimos que algo acontece em nossa alma: sentimos como nos abrimos interiormente e como nos tornamos fortes.
Alguns imaginam como deveria ser idealmente seu cônjuge. Mas é impossível evoluir com um cônjuge ideal. Quem seria esse companheiro ideal? Alguém a quem poderíamos dizer: "Você é minha mãe e eu sou seu filho". Onde nos levaria tal relação de casal?
Cada um dos membros de um casal, homem e mulher, cresceu em uma família concreta com dificuldades concretas e, cada um deles, evoluiu através de tudo isso de uma maneira concreta. Depois, estes dois seres diferentes entre si, conhecem-se e cada um deles representa um desafio para o outro. Se tomarmos o outro tal como é, exatamente tal como é, evoluiremos com este contato. Crescemos com este contato com a condição de que o outro seja diferente. É imprescindível.
Assim, poderemos olhar de outra maneira as dificuldades que encontramos na relação de casal e apreciá-las; e poderemos fazer com que essa relação seja cada vez mais plena e feliz.
Exemplo: amar com a força da mãe
Homem: "Minha mulher e eu chegamos a uma etapa da nossa vida de casal na qual pensamos que poderia haver outras coisas. Sentimos barreiras entre nós. Há certos conflitos e sabemos muito bem de onde procedem. Referente a mim, meu comportamento para minha mulher lembra-me frequentemente como me comportava para minha mãe. Porém, a maioria das vezes, somente o percebo quando já é tarde demais. Falo somente por mim, mas sinto como esses mecanismos interferem em nossa relação".
Hellinger: “Há uma regra muito simples para tratar esse tipo de situação”. Desejam que a diga? Ame sua mulher junto com sua mãe e imagine como poderia ser: ame-a com a força de sua mãe.
Para o grupo: ás vezes, quando um cônjuge julga o outro: "É como sua mãe" eu digo: "Graças a Deus". Porque, que poderia ser melhor?
Para o homem: o que acabo de dizer irá corrigir um pouco sua imagem interna. Agora, sua mãe olha-o com ternura. Ela amou.
O amor não se limita ao indivíduo. Não é o homem como indivíduo quem disse para sua mulher: "Amo-a". É pequeno demais para isso. O mesmo acontece com a mulher evidentemente. Detrás do indivíduo estão os pais e todos os ancestrais com seus destinos e todos eles estão presentes em esta frase de uma maneira muito poderosa. Se agora o homem disser para a mulher "amo-a", algo que vem de muito longe ressoará em esta frase, uma sinfonia gigantesca com um poderoso movimento. Nesse momento, o casal já não se centra unicamente em si mesmo, senão em sintonia com suas famílias. Esta é uma imagem muito linda.
Exemplo: a força em uma separação
Homem: Minha mulher disse-me que deseja separar-se de mim.
Hellinger: Se realmente o fizer, você evoluirá com esta experiência ou se destruirá?
Homem: Temo que eu me destrua. Porque ainda amo minha mulher.
Hellinger: Sim, isso parece. Para o grupo: Quem pode afundar-se quando há uma separação? – Uma criança.
Para o homem: Acabo de lhe mostrar um caminho: a criança (em você) deve separar-se primeiramente. A criança pode separar-se de alguém – e isto é válido para qualquer forma de separação – quando tenha tomado tudo, acolhido tudo o que a outra pessoa quis lhe dar. Assim, por exemplo, pode separar-se da sua mãe se tomar tudo o que vem dela, tal como é. O mesmo acontecerá se separar-se do seu pai.
Para o grupo: Aqui vemos o importante que é "tomar completamente" durante a infância para, posteriormente, poder concluir sua relação de casal.
Para o homem: Este é o primeiro passo que devemos fazer. O segundo, consiste em tomar da sua mulher tudo o que ela quis lhe dar e honrá-lo. E verá como crescerá através de esta experiência e se tornará mais forte. Pouco importará o que aconteça depois: terá a força para enfrentar isso, seja o que for.