Revista Hellinger, setembro 2006
Percebemos o amor no corpo quando, por exemplo, nosso coração late mais forte. E o percebemos na alma como anseio e sentimento de segurança. Frequentemente o corpo e a alma atuam no amor de modo tão compenetrado que o experimentamos em ambos como um só amor único e grande, por exemplo, no caso do amor entre o homem e a mulher.
Existe outro amor que percebemos também na alma e no corpo, mas de um modo cego. Trata-se do amor de filhos que se preocupam pelos seus pais e temem perdê-los devido a uma doença ou à morte, ou talvez por meio de um abandono. Então os filhos desejarão ajudar seus pais. Querem salvá-los ou retê-los, inclusive ao preço de suas próprias vidas. Porque a esperança da criança é permanecer unida aos seus pais depois da morte, talvez ainda mais estranhamente que em vida. Naquele momento se fala internamente: "melhor unido a eles na morte que separado deles na vida". Podemos deduzir disso que o impulso detrás deste amor é o medo de ficar sozinho.
Claro que se trata, neste amor, de sobrevivência. Não tanto da sobrevivência pessoal, independentemente da sobrevivência dos outros, senão da sobrevivência do vínculo com eles além da morte. Na realidade, trata-se de um amor do espírito, da coesão dos membros da família em um campo do espírito, amor que perdura depois da morte dos indivíduos e que lhes permite manterem-se presentes e pertencentes.
Aqui podemos ver o início do amor do espírito e da comunidade com outras pessoas em um campo que abrange os vivos e os mortos, unindo-os de igual maneira.
É um campo do espírito. No entanto, em nosso sentimento, este campo limita-se frequentemente a nossa família, em sua forma reduzida e também mais ampla. Em sua forma ampla porque se aplica à comunidade e à religião à qual pertencemos.
Entretanto isto somente é provisório, já que o espírito, em seu sentido pleno, integra tudo o que é movido pela força criadora. Este espírito criador está aberto a tudo e ama tudo de um modo espiritual. No momento no qual pessoas se conectam com o movimento deste espírito, ressoam com ele e mantêm-se em sintonia com ele; seu próprio campo espiritual abrange tudo aquilo que vivencia e está presente. Ama tudo tal como é, em acordo com este movimento do espírito. Isto é o verdadeiro e perfeito amor espiritual.
Já que este amor do espírito abrange tudo, abrange também o amor do corpo e da alma. Assente a isso e absorbe tudo dentro do amplo campo do espírito. Assim é como este amor supera o medo ao abandono e suas consequências. Podemos vê-lo lá onde se manifesta no que se refere a que uma criança prefere a morte antes que ser abandonada, o mesmo acontece tratando-se de um adulto que não superou este medo.
Neste campo extenso, experimentamos uma pertença muito mais profunda, que inclusive nos libera da ambição de encarregar-nos do destino dos outros. Porque este amor do espírito nos vincula, em primeiro lugar, como indivíduo com este movimento criativo, tanto nós mesmos, assim como todas as outras pessoas. Posteriormente, ficará a preocupação para conosco e para com os outros com esta força espiritual e seu amor. Neste campo, os indivíduos não estarão diretamente ligados entre si, senão que, graças à presença de este espírito, ninguém poderá ser deixado fora do amor. Em um nível mais profundo, este amor nos conecta uns com os outros, aquilo que nosso olhar e nosso atuar não podem conseguir.
A cura desde o espírito
Às vezes, a cura começa para nós no corpo. Quando adoecemos, primeiro buscamos um médico, experto no corpo e suas funções trás longos estudos e a correspondente experiência. Ele sabe como, no corpo, desenvolvem-se as doenças e conhece os meios que permitem frequentemente uma cura. Os sucessos espetaculares da medicina do corpo justificam a confiança que em muitas ocasiões lhe dispensamos.
No entanto, a medicina moderna sabe também que muitas doenças têm sua origem na alma. Portanto, os conhecimentos que adquirimos relacionados aos efeitos dos campos do espírito referentes às causas anímicas e espirituais de numerosas doenças, encontram entre os médicos do corpo uma desconfiança crescente. Às vezes, uma pessoa adoece e deseja morrer com a esperança, surgida da alma, de preservar outra pessoa da doença e da morte. Quando esta conexão é visível e considerada, influencia positivamente na cura. Apoia o tratamento da medicina física.
A questão agora é: as doenças e os mal-estares, sejam de natureza somente física ou também anímica, têm relação com o espírito em seu sentido mais amplo? Provavelmente sim. Já quando observamos as conexões entre um mal físico e suas causas na alma, vemos que se trata de algo que se movimenta no campo do espírito.
Quando o duelo por um morto pode adoecer-nos, compreendemos que aqui atua algo entre o morto e o vivo com efeitos sobre o corpo e a alma e que ainda os mantêm vinculados, em um campo do espírito. Quando depois, aquilo que estiver entre o morto e o vivo se solucionar e se concluir, por exemplo, através de uma reconciliação, um agradecimento ou uma despedida com amor, terá efeitos imediatos sobre o corpo e a alma.
A experiência das constelações familiares suscita ainda mais conexões. O campo do espírito de uma família lembra tudo àquilo que talvez os membros da família tenham esquecido ou tenham desejado esquecer, como por exemplo, uma criança abortada. Frequentemente os membros esquecidos se fazem ser lembrados- ou são trazidos à lembrança por este campo familiar- através de doenças e de transtornos físicos e anímicos. Significa que os transtornos e as doenças estão relacionados com estes membros excluídos da família. A desordem no campo do espírito, nascido do esquecimento de algum membro familiar, reflete-se como desordem no corpo e alma de outro membro desta mesma família. Em consequência, vemos que a desordem no corpo e alma pode ordenar-se quando a ordem pode reestabelecer-se tanto no membro doente como nos outros membros da família. Isto significa que a família deve reintegrar em seu seio os membros que foram afastados, negados ou feridos, aqueles que foram expulsos, ás vezes de modo dramático, incluindo aqueles que foram mortos, apesar do doloroso que possa ser este processo para alguns, especialmente para aqueles que foram diretamente envolvidos naquilo. A cura acontece aqui graças a um movimento de amor para todos aqueles para os quais foi negado.
O importante é que o culpado a quem se atribui a responsabilidade da exclusão e que sente a culpa, veja-se acolhido também neste amor. Caso contrário, encontrar-se-á novamente em uma situação de exclusão, com os efeitos perigosos que isto implica. Observamos que o amor do espírito se desenvolve além de nossos conceitos do bem e do mal. Deixa atrás estas diferenças.
Além do mais, o campo do espírito é mais que somente um campo familiar. Inclusive fora da esfera familiar, o amor do espírito exige a entrega para todos com amor, para todos os humanos e para o mundo tal como se apresenta. Porque este amor espiritual se dá a tudo e todos com a mesma intensidade. Portanto, este amplo campo do espírito encontra a ordem para nós somente quando nos abandonamos ao seu movimento de amor e sintonizamos com ele em nosso pensar e em nossa conduta.
Isto é na realidade o movimento curador para nós e muitas outras pessoas. É curador para nosso corpo e nossa alma. É curador para o corpo de outras pessoas e para sua alma. E é curador para todas as nossas relações, as que temos com outras pessoas e as que temos com a natureza e o mundo em sua totalidade.
Que ou quem cura aqui? Acaso somos nós com a ajuda do espírito e seu amor, ou é o próprio espírito que nos toma a seu serviço?
Faço uma outra reflexão. Nosso corpo tem uma dimensão espiritual, assim como nossa alma. Ambos se orientam em suas expressões segundo uma imagem espiritual e segundo o movimento do espírito e seu amor. Quando então algo espiritual acontece dentro do campo do espírito e quando encontramos o acesso à dimensão espiritual de tudo o que vive e está presente, o próprio campo mostra-se complacente para nós e nos proporciona uma informação, ou uma visão, provocando um impulso curador a partir dela.
No nível do espírito, estamos em conexão com os mortos, inclusive, talvez com entidades espirituais que se localizam, às vezes, ao nosso lado e que produzem em e através de nós algo curador. Talvez seja assim como conectamos com nós mesmos no nível do espírito, reencontrando um estado presente em vidas anteriores, como são sugeridas numerosas experiências. Graças a este laço pode acontecer algo curador. No entanto, não precisamos dedicar-lhe demasiada reflexão na hora de entregar-nos em mãos daquele movimento do espírito que, inclusive detrás destas experiências, atua tomando-as a seu serviço.
Como então nos tornamos saudáveis e curados?
Através do espírito, através de um amor espiritual e no fim das contas através do amor do espírito, guiados e levados por ele.
E como podemos ajudar as outras pessoas de maneira espiritual e curá-las de maneira espiritual? Possivelmente não existe contradição em que este movimento curador nos abrange e nos cura e através de nós, talvez a muitas outras pessoas.
Não é certo que o amor sopra como e para onde deseja?